Crise súbita e intensa de tontura e surdez: devo ir à emergência?

A sensação súbita de vertigem intensa pode ser incapacitante e angustiante. A tontura é uma queixa muito comum, sendo, muitas vezes, o motivo que leva uma pessoa a procurar atendimento em um pronto-socorro.

Quase sempre, a causa não é grave. A tontura pode se manifestar com ou sem perda auditiva. Em casos de vertigem súbita e incapacitante, com náuseas e sem surdez associada, pode se tratar de um quadro de neurite vestibular (inflamação do nervo vestibular). Já a tontura súbita associada à perda auditiva pode ser sintoma de labirintite (inflamação do labirinto).

Mas, e se não for?

Pesquisas recentes mostram que, para algumas pessoas, principalmente com fatores de risco cardiovasculares, a tontura intensa pode ser o único sinal de um tipo de derrame cerebral (AVC).

1. Sua tontura pode ser um sinal de um quadro vascular neurológico agudo

Quando pensamos em derrame, geralmente lembramos de sintomas como fraqueza em um lado do corpo, boca torta ou dificuldade para falar. Esses são sinais clássicos, mas a tontura também é um sintoma importante que é frequentemente ignorado. Estima-se que, entre todos os pacientes que chegam ao pronto-socorro com tontura intensa e repentina, cerca de 3% a 5% estão, na verdade, sofrendo um AVC isquêmico (derrame causado pelo entupimento de uma artéria).

2. O acometimento dos vasos sanguíneos que irrigam o labirinto pode gerar sintomas como tontura e surdez de forma repentina

Existe uma artéria específica, chamada AICA, que é a principal responsável por levar sangue para o ouvido interno (estrutura responsável pela audição e pelo equilíbrio). Quando um entupimento (um derrame) ocorre nessa artéria, o labirinto fica sem oxigênio, fazendo com que a pessoa apresente sintomas idênticos a um problema comum do ouvido: tontura intensa, desequilíbrio e perda repentina da audição.

O mais preocupante é que esses "derrames no ouvido" podem ocorrer sem nenhum dos outros sinais clássicos de um AVC; em até dois terços dos pacientes, outros sintomas neurológicos podem não estar presentes.

3. O desafio no diagnóstico

Exames de imagem comuns para AVC, como a ressonância magnética, por exemplo, podem não detectar áreas muito pequenas de dano vascular dentro da estrutura complexa do ouvido interno. Esse desafio diagnóstico pode explicar por que entre 71% e 85% de todos os casos de perda súbita de audição são classificados como de causa desconhecida. É provável que muitos desses casos sejam, na verdade, microderrames no ouvido interno que os exames convencionais simplesmente não detectaram.

Entretanto, vale ressaltar que um exame físico otoneurológico minucioso, realizado à beira do leito, pode ser mais sensível que um exame de imagem, principalmente nas primeiras horas dos sintomas.

4. A recuperação é possível, mas o diagnóstico correto é o primeiro passo

Embora a ideia de um AVC seja assustadora, o prognóstico para a recuperação da audição e do equilíbrio pode ser positivo. O mais importante é que o reconhecimento desses sinais de alerta oferece aos médicos uma chance crucial de iniciar o tratamento preventivo para evitar um evento mais grave no futuro.

A tontura e o desequilíbrio tendem a melhorar gradativamente em semanas, devido a um processo de compensação cerebral natural e fisiológica.

Além disso, estudos de grande porte mostram resultados animadores para a recuperação parcial ou total da perda auditiva em torno de 60

  • Um estudo apontou que 81% dos pacientes tiveram recuperação parcial ou total da audição.

  • Outro estudo relatou que 63% apresentaram recuperação parcial ou total.

5. Sinais de “labirintite” devem ser avaliados por um médico

A mensagem principal é clara: a tontura aguda, especialmente se acompanhada de perda súbita de audição, deve ser levada a sério como um possível problema circulatório (vascular).

Se você apresentar tontura repentina e intensa, associada à perda auditiva também súbita, é fundamental procurar avaliação médica com urgência.

Referência: The Challenge of Diagnosing Labyrinthine Stroke—A Critical Review AA Tarnutzer, SU Lee, JS Kim, D Kaski Brain Sciences, 2025

 
Dra. Lucia Joffily

Otorrinolaringologista, especialista em Otoneurologia e Medicina do Sono pela UNIFESP.
Coordenadora dos ambulatórios de Tontura e Sono na UNIRIO.
Doutoranda na University College London (UCL) e UFRJ.
Seu foco de atuação clínica e pesquisa são a Tontura e o Sono.

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