Crises de vertigem várias vezes ao dia, durando apenas segundos — e não é VPPB. O que pode ser?

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Conteúdo:

  1. Quanto tempo duram as crises de vertigem na paroxismia vestibular?

  2. Quantas vezes por dia podem acontecer as crises?

  3. O que causa a paroxismia vestibular?

  4. Como é feito o diagnóstico definitivo da paroxismia vestibular?

  5. Pessoas saudáveis podem ter compressão neurovascular?

  6. Qual é o tratamento principal para paroxismia vestibular?

  7. Quais medicamentos são usados no tratamento da paroxismia vestibular?

Imagine sentir o mundo girar violentamente, uma crise de vertigem intensa que surge do nada, dura apenas alguns segundos ou, no máximo, um minuto, e depois desaparece como se nunca tivesse acontecido. Agora, imagine que isso se repete várias vezes (10, 15, 20 vezes!) ao longo do dia. Essa experiência desconcertante e assustadora pode deixar qualquer um confuso, questionando a própria percepção. Para muitos, parece um evento aleatório, mas na verdade pode ser o sintoma principal de uma condição médica específica, muito rara, chamada Paroxismia Vestibular.

Essa não é uma tontura comum. A paroxismia vestibular nos mostra como uma pequena anomalia física em uma área crítica do cérebro pode gerar sintomas dramáticos e passageiros. Para desvendar esse mistério, vamos explorar cinco fatos surpreendentes sobre a Vertigem Paroxística que funcionam como pistas na investigação neurológica.



5 Fatos sobre a Paroxismia Vestibular

A causa pode ser um "curto-circuito" físico no cérebro

Trata-se de uma compressão neurovascular, o que significa que um vaso sanguíneo (geralmente uma artéria) está pulsando diretamente contra o oitavo nervo craniano (nervo vestibulococlear), o nervo responsável pela audição e pelo equilíbrio. Essa compressão constante gera uma irritação no nervo, causando o que pode ser descrito como uma "interferência" ou um "curto-circuito".

A pulsação da artéria provoca descargas elétricas anormais e espontâneas no nervo vestibular, enviando sinais falsos de movimento para o cérebro. O resultado é uma crise súbita e intensa de vertigem. Este mecanismo não é exclusivo da paroxismia vestibular; ela pertence a toda uma família de síndromes de compressão neurovascular, como a neuralgia do trigêmeo (que causa dores faciais agudas), o espasmo hemifacial e a neuralgia glossofaríngea. Na maioria dos casos de Paroxismia Vestibular, o vaso envolvido é a artéria cerebelar anteroinferior (AICA), responsável pela compressão em cerca de 75% dos pacientes estudados.



A ressonância magnética pode ver o problema, mas não confirma o diagnóstico

Diante de um problema físico como um vaso pressionando um nervo, a lógica sugere que um exame de imagem resolveria o caso. De fato, uma ressonância magnética (RM) de alta resolução, usando sequências específicas (3D-CISS/FIESTA), consegue mostrar claramente esse contato. No entanto, e aqui o mistério se aprofunda, encontrar essa compressão não é suficiente para diagnosticar a Vertigem Paroxística.

Estudos revelaram um fato chocante: uma grande porcentagem de pessoas completamente saudáveis e sem sintomas também apresenta esse mesmo contato neurovascular — entre 35% a 55% dos indivíduos em grupos de controle. Isso significa que a compressão pode existir sem causar problema algum. Portanto, a Ressonãncia Magnética é crucial para distinguir entre a Paroxismia Vestibular clássica (causada pela compressão) e a Paroxismia Vestibular  secundária (causada por outros problemas como tumores ou cistos), mas não pode, por si só, provar que a compressão é a culpada.

Isso nos leva a um dilema diagnóstico: se nossa tecnologia de imagem mais avançada não pode dar a resposta final, como os médicos solucionam esse quebra-cabeça?



O diagnóstico definitivo é incomum: o tratamento confirma a doença

A chave para resolver o mistério da Paroxismia Vestibular está em um processo de duas etapas que inverte a lógica médica tradicional. Com base nos sintomas, um médico pode chegar a um diagnóstico de Paroxismia Vestibular Provável. Mas o que transforma essa suspeita em certeza? A resposta ao tratamento.

O diagnóstico só se torna Paroxismia Vestibular Definitiva depois que o paciente demonstra uma melhora clara e positiva com uma classe específica de medicamentos: os bloqueadores dos canais de sódio. Esses fármacos, como a carbamazepina ou a oxcarbazepina, são frequentemente usados como anticonvulsivantes e agem "acalmando" a hiperexcitabilidade do nervo irritado. O sucesso da terapia se torna a peça final e confirmatória do diagnóstico.

Segundo os critérios da Sociedade Bárány, para um diagnóstico de Paroxismia Vestibular Definitiva ser estabelecido, não basta ter os sintomas. É mandatório que o paciente apresente uma resposta positiva ao tratamento com bloqueadores dos canais de sódio.



As crises são extremamente curtas, mas podem acontecer dezenas de vezes por dia

A experiência de quem sofre de Paroxismia Vestibular é marcada por um contraste extremo. As crises de vertigem (seja rotatória ou uma sensação de balanço) são incrivelmente breves, durando tipicamente de segundos a, no máximo, um minuto. Essa curta duração muitas vezes faz com que os sintomas sejam subestimados ou confundidos com uma simples "tontura".

No entanto, a brevidade da crise é compensada pela frequência avassaladora. Os pacientes podem ter de 5 a 30 crises por dia, e em casos extremos, esse número pode chegar a 70. Embora a maioria das crises ocorra espontaneamente, elas podem ser provocadas por movimentos da cabeça ou até mesmo por hiperventilação. É importante notar que esses movimentos são geralmente inespecíficos, diferente de outras condições, como a VPPB, que é desencadeada por manobras posicionais muito específicas.



A solução (quase sempre) não é cirúrgica

Mesmo que a causa seja um problema mecânico, a cirurgia não é a primeira opção. O tratamento de escolha é medicamentoso, com os bloqueadores dos canais de sódio. Esses fármacos não resolvem a compressão, mas controlam seus efeitos ao reduzir a irritabilidade do nervo.

A cirurgia de descompressão microvascular, que afasta fisicamente o vaso do nervo, é uma terapia de última instância. Ela é reservada para casos onde o diagnóstico é definitivo, mas o paciente não tolera a medicação. A razão para essa cautela é o risco significativo: a artéria que mais comumente causa o problema (a AICA) é também a principal fonte de sangue para o labirinto. Uma complicação cirúrgica pode causar um infarto nessa região, levando à perda permanente da audição e do equilíbrio. Além disso, a tolerância aos medicamentos pode ser um desafio real; um estudo com oxcarbazepina mostrou que, embora eficaz, teve uma taxa de abandono de 60% devido a efeitos adversos, o que reforça a necessidade de alternativas.



Conclusão: uma nova perspectiva sobre a tontura

A Paroxismia Vestibular revela como uma pequena falha mecânica em nossa "fiação" neurológica pode causar sintomas breves, porém incapacitantes, e como seu diagnóstico e tratamento seguem um caminho que desafia a lógica médica convencional. Ela nos lembra que, por trás de uma sensação passageira, pode haver uma explicação física muito concreta.

A história da Paroxismia Vestibular destaca a importância de uma investigação especializada para sintomas de vertigem. Um diagnóstico preciso pode transformar a vida de quem sofre com essas crises imprevisíveis, oferecendo um tratamento eficaz para um problema que, à primeira vista, parece não ter explicação.

Fonte: Journal of Neurology (2025), Vestibular paroxysmia: a systematic review- Marianne Dieterich e Thomas Brandt.

Dra. Lucia Joffily

Otorrinolaringologista, especialista em Otoneurologia e Medicina do Sono pela UNIFESP. Coordenadora dos ambulatórios de Tontura e Sono na UNIRIO. Doutoranda na University College London (UCL) e UFRJ. Seu foco de atuação clínica e pesquisa são a Tontura e o Sono. CRM RJ 82291-4 | RQE Nº: 37177 | RQE Nº: 37178.

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