Tontura e dor no pescoço tem relação?

mulher de 50 anos sentindo dor no pescoço

Sentir tontura é uma experiência profundamente frustrante. Quando o mundo parece instável e você não consegue identificar a causa, a busca por respostas pode ser exaustiva. E se a origem da sua tontura não estivesse na orelha interna ou no cérebro, mas em um lugar totalmente inesperado: o seu pescoço? 

Apesar de ainda controversa, a relação entre tontura e alterações cervicais é denominada Tontura Cervicogênica, uma condição em que disfunções da coluna cervical podem interferir nos mecanismos de equilíbrio.

A Causa seria um "Bug" Sensorial 

Ao contrário do que muitos pensam, a Tontura Cervicogênica geralmente não é causada por um nervo pinçado. A explicação mais aceita é a "teoria do conflito sensorial". Pense no seu cérebro como um centro de comando que depende de três fontes de informação para manter o equilíbrio: seus olhos (visão), sua orelha interna (sistema vestibular) e os sensores de movimento e posição nos músculos e articulações (propriocepção). Esses sensores funcionam como um GPS interno, informando ao cérebro onde sua cabeça e corpo estão no espaço.

Quando seu pescoço está com dor ou alguma disfunção, esses sensores de movimento podem enviar "sinais errados". O cérebro recebe uma informação do pescoço, outra dos olhos e outra da orelha interna, e elas simplesmente não batem. Esse conflito de dados é interpretado pelo cérebro como tontura ou instabilidade. Com o tempo, o cérebro pode tentar se adaptar a esses sinais ruins, um processo chamado maladaptação, que acaba piorando a sensação de desequilíbrio.

É mais uma sensação de instabilidade do que de giro

Quando a maioria das pessoas pensa em tontura, imagina a vertigem clássica, a sensação de que você ou o ambiente estão girando. No entanto, a Tontura Cervicogênica se manifesta de forma diferente e muitas vezes mais sutil.

Os sintomas típicos são descritos como uma sensação de cabeça leve, desequilíbrio, atordoamento ou instabilidade geral. Em vez de sentir o mundo girar, você pode se sentir "aéreo", inseguro ao andar ou como se estivesse em um barco. Para completar o quadro, essa condição pode vir acompanhada de sintomas autonômicos perturbadores, como palpitações, náusea e até vômitos, devido às conexões entre os nervos do pescoço e os centros cerebrais que regulam essas funções.

Essa distinção é surpreendente para muitos, pois contraria a percepção popular de "vertigem" e pode fazer com que a causa real do problema passe despercebida por muito tempo.


O diagnóstico é um verdadeiro quebra-cabeça

A Tontura Cervicogênica é considerada uma "entidade clínica controversa" porque não existe um teste único e definitivo para confirmá-la.

O processo funciona como um "diagnóstico de exclusão". Isso significa que os médicos precisam primeiro investigar e descartar todas as outras causas possíveis, como problemas no sistema vestibular, doenças cardiovasculares e distúrbios do sistema nervoso central. Um fator importante que os especialistas observam é a relação temporal: a dor no pescoço deve preceder a tontura

Somente após eliminar outras possibilidades e identificar uma disfunção clara no pescoço é que o diagnóstico pode ser considerado.

A solução geralmente começa pelo pescoço, não pelo ouvido

A grande vantagem de um diagnóstico focado no pescoço é que ele aponta para um caminho de tratamento claro e direcionado. 

O objetivo do tratamento, quando há essa suspeição, é essencialmente "recalibrar" os sensores do pescoço, treinando-os para enviar novamente sinais claros e precisos. Ao corrigir essa comunicação falha, o cérebro deixa de receber os dados conflitantes que causam a tontura. 

As abordagens com melhores evidências incluem:

Terapia manual: Técnicas como mobilização da coluna e massagem de tecidos moles para restaurar o movimento e aliviar a dor.

Exercícios sensório-motores: Um programa de reabilitação focado em treinar novamente o controle dos movimentos da cabeça, dos olhos e o equilíbrio postural.

A relação entre dor no pescoço e tontura é mais comum do que você imagina

A coexistência de dor no pescoço e tontura não é uma mera coincidência; é um padrão clínico bem documentado:

• Um estudo revelou que 57% dos pacientes encaminhados a uma unidade vestibular por tontura também relataram dor no pescoço e nos ombros.

• Em outra pesquisa, 43% dos pacientes que sofriam de dor crônica no pescoço também relataram sentir tontura.

Para complicar ainda mais, a relação pode ser um ciclo vicioso. 

Às vezes, uma tontura de outra origem (como um problema no ouvido) pode levar a uma rigidez secundária no pescoço, pois a pessoa instintivamente evita mover a cabeça. Essa rigidez pode, então, se tornar um fator que perpetua ou agrava a tontura, criando um componente cervicogênico que também precisa ser tratado.

Conclusão: Escutando os Sinais do Seu Corpo

Vimos que a causa pode ser um "bug" sensorial no pescoço, não um nervo; que a sensação é mais de instabilidade do que de giro; que o diagnóstico é um quebra-cabeça que exige exclusão; e, mais importante, que a solução está em tratar o pescoço. Essa forte conexão, por vezes um ciclo vicioso, reforça a necessidade de uma visão integrada da nossa saúde.

Referência:  Dizziness and neck pain: a perspective on cervicogenic dizziness exploring pathophysiology, diagnostic challenges, and therapeutic implications. De Hertogh et al. Frontiers in Neurology, 2025.

Dra. Lucia Joffily

Otorrinolaringologista, especialista em Otoneurologia e Medicina do Sono pela UNIFESP. Coordenadora dos ambulatórios de Tontura e Sono na UNIRIO. Doutoranda na University College London (UCL) e UFRJ. Seu foco de atuação clínica e pesquisa são a Tontura e o Sono. CRM RJ 82291-4 | RQE Nº: 37177 | RQE Nº: 37178.

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