Tontura e Distúrbios do Equilíbrio
A tontura é um sintoma extremamente comum, afetando cerca de 17% a 30% dos adultos, sendo uma das principais queixas clínicas que levam as pessoas a procurar atendimento médico. No entanto, é também um sintoma complexo, pois pode significar muitas coisas diferentes, desde algo simples e passageiro até condições que exigem atenção urgente.
Vou explicar o que é a tontura, como os médicos a classificam, as principais causas (desde as mais comuns e benignas até as mais graves), como ela é investigada e, por fim, como é tratada.
1.O que é a Tontura?
Primeiro, é fundamental entender que tontura é um termo mais geral. É uma sensação subjetiva, na qual o paciente pode descrever instabilidade, cabeça vazia, receio de desmaio iminente ou ilusões de movimento. A tontura é um sintoma, não uma doença ou condição em si, e requer investigação para descobrir sua causa.
Para os médicos, a prioridade é decifrar exatamente o que você está sentindo, pois a causa e o tratamento dependem dessa descrição. As sensações de tontura são divididas em quatro categorias principais:
Vertigem
A Ilusão de Movimento
A vertigem é o tipo de tontura mais conhecido e geralmente o mais intenso. Ela se manifesta como uma falsa sensação ou ilusão de movimento, na grande maioria das vezes rotatória.
• Descrição Comum: "O quarto está girando ao meu redor" (rotação) ou "Estou balançando como se estivesse em um barco no mar" (oscilação/balanço).
• Origem: A vertigem sempre indica um problema em alguma parte do sistema vestibular — o sistema do equilíbrio, composto pelo labirinto (ouvido interno) e pelas áreas do cérebro (tronco encefálico e cerebelo) que processam essa informação.
Pré-Síncope
Sensação de Desmaio
É a sensação de que você vai "apagar" ou perder a consciência.
• Descrição Comum: Várias pessoas descrevem escurecimento da visão, suor frio e fraqueza nas pernas.
• Origem: Geralmente associada a problemas de circulação ou pressão arterial, como a hipotensão postural (queda de pressão ao se levantar rapidamente). O cérebro não recebe oxigênio suficiente por um breve momento.
Desequilíbrio
Instabilidade
É a perda da coordenação ou do equilíbrio que ocorre principalmente ao caminhar ou mudar de posição.
• Descrição Comum: Sentir-se "bambo", "instável" ou como se estivesse pisando em nuvens. O paciente frequentemente procura se apoiar em paredes ou móveis para não cair.
• Origem: Piora com o movimento (caminhar). Pode ser causada por problemas nas pernas (ortopédicos, fraqueza muscular), neurológicos (como lesões no cerebelo) ou pelo desgaste natural dos múltiplos sistemas sensoriais (visão, tato, labirinto) em idosos (conhecida como Síndrome de Múltiplos Déficits Sensoriais).
Tontura Inespecífica Lightheadedness
É uma sensação vaga e difícil de descrever que não se encaixa nas categorias acima.
• Descrição Comum: "Cabeça oca", "cabeça pesada", "flutuando" ou "confusão mental".
• Origem: Muitas vezes associada a causas não vestibulares, como hiperventilação (respiração rápida/superficial) por ansiedade, anemia, estresse crônico ou medicamentos.
2.Por que sentimos Tontura?
As causas da tontura são classificadas pela origem: se o problema está no ouvido interno (periférico) ou no cérebro (central).
2.1. Causas Periféricas
Ouvido Interno/Labirinto
São as causas mais comuns e, em geral, têm um prognóstico mais favorável.
Vertigem Posicional Paroxística Benigna (VPPB)
O que é: É a causa periférica de tontura mais comum. Ocorre quando pequenos "cristais" de cálcio (chamados otólitos ou canalitos) que deveriam estar em uma parte do labirinto (o vestíbulo) se soltam e migram para os canais semicirculares.
Sintomas: Episódios breves de vertigem rotatória intensa que duram de segundos a minutos. São sempre desencadeados por mudanças específicas na posição da cabeça, como rolar na cama, deitar-se, levantar-se ou olhar para cima/baixo. Entre os episódios, o paciente geralmente está assintomático.
Doença de Ménière
O que é: Um distúrbio crônico que envolve o acúmulo de líquido (hidropsia endolinfática) no ouvido interno.
Sintomas: Ataques recorrentes e espontâneos de vertigem que duram de minutos a horas, acompanhados de sintomas auditivos típicos no ouvido afetado: perda auditiva flutuante, zumbido e sensação de ouvido cheio (plenitude aural). Se não tratada, pode levar à perda auditiva progressiva.
Neurite Vestibular e Labirintite
O que são: Inflamações, geralmente causadas por uma infecção viral anterior.
Neurite Vestibular: Afeta o nervo do equilíbrio (nervo vestibular). Causa vertigem grave e súbita que é contínua e dura dias. A audição é geralmente preservada.
Labirintite: Envolve tanto o labirinto vestibular quanto o coclear. Diferente da neurite vestibular, essa causa vertigem e problemas auditivos. Embora popularmente "labirintite" seja usada para qualquer tontura, a labirintite infecciosa, de fato, é relativamente rara.
2.2. Causas Centrais
Cérebro e Tronco Encefálico
Envolvem o sistema nervoso central e, se não forem rapidamente diagnosticadas, algumas delas podem ter um prognóstico pior.
Enxaqueca Vestibular
Migrânea Vestibular
O que é: Uma das causas mais comuns (sendo a causa mais comum em mulheres jovens), onde a tontura (vertigem, desequilíbrio ou "mareio") é uma manifestação da enxaqueca.
Sintomas: Episódios recorrentes de tontura que duram de 5 minutos a 72 horas. Pelo menos 50% dos episódios estão associados a características típicas de enxaqueca (dor de cabeça, náusea, sensibilidade à luz e/ou som, ou aura visual). Muitas vezes, o paciente tem histórico de enxaquecas, mesmo que não sinta dor de cabeça durante a crise de tontura. É mais comum em mulheres e adultos jovens (idade média de 40 anos).
Tontura Postural Perceptual Persistente (TPPP)
O que é: É o diagnóstico crônico mais comum em alguns centros especializados. Refere-se a distúrbios crônicos (antigamente chamados de vertigem fóbica).
Sintomas: Tontura e instabilidade quase constantes (persistentes), piorando ao ficar em pé, ao se movimentar ou em ambientes complexos com muitos estímulos visuais (como supermercados ou shoppings). Geralmente, instala-se após um evento agudo de tontura (como uma neurite ou VPPB), que leva o paciente a desenvolver uma "hipervigilância postural" (preocupação excessiva com o equilíbrio).
Acidente Vascular Cerebral (AVC) e Isquemia
O que são: Eventos isquêmicos (falta de sangue) ou hemorrágicos no cérebro, especialmente no cerebelo ou tronco encefálico.
Sintomas: A tontura (vertigem ou desequilíbrio) pode ser sintoma sutil, ou até o único sintoma, de um AVC na circulação posterior (vertebrobasilar). Se a tontura for súbita, intensa e acompanhada de outros sinais neurológicos, é uma emergência.
Outras Causas Centrais
Incluem tumores (como o schwannoma vestibular), Esclerose Múltipla e infecções do sistema nervoso central (meningite, encefalite).
Outras Causas Sistêmicas e Não Patológicas
Muitas tonturas não têm origem no labirinto ou no cérebro, mas sim em problemas que afetam o corpo todo.
Problemas Cardíacos e Circulatórios: Incluem hipotensão ortostática (tontura e desmaio ao se levantar rapidamente), arritmias (batimentos cardíacos irregulares ou palpitações, onde o coração parece bater mais rápido ou "flutuar"), insuficiência cardíaca e aterosclerose (artérias entupidas).
Causas Medicamentosas: Muitos remédios têm a tontura como efeito colateral, incluindo antibióticos (como aminoglicosídeos e quinolonas), antidepressivos, anticonvulsivantes (fenitoína, salicilatos), anti-hipertensivos, sedativos e relaxantes musculares.
Causas Metabólicas: Baixa glicose (hipoglicemia), anemia (falta de ferro, que transporta oxigênio), desidratação (comum quando se perde muito líquido ou se ingere pouco).
Fatores Emocionais: Ansiedade, pânico e estresse crônico. A ansiedade pode causar a tontura inespecífica, muitas vezes associada à hiperventilação.
Trauma: Concussões ou lesões cerebrais traumáticas (TCE) causadas por quedas ou acidentes.
3.Como os médicos chegam ao diagnóstico?
Como o termo tontura é muito vago, o diagnóstico depende, em grande parte, de você ser um bom "detetive" e dar informações precisas ao médico. A história clínica (o seu relato) é quase sempre mais importante do que qualquer exame complementar.
3.1. A Investigação pela História (TiTrATE)
O médico usará uma abordagem sistemática, como o método TiTrATE, para diferenciar as causas:
Timing (Tempo)
O médico perguntará sobre o início, a duração e a frequência. Por exemplo, uma tontura que dura:
Segundos: Sugere fortemente VPPB ou tontura ortostática (pressão baixa ao levantar).
Minutos a Horas: Pode ser Doença de Ménière ou Enxaqueca Vestibular.
Dias a Semanas, contínua: Pode ser Neurite Vestibular ou uma causa central, como um AVC.
Triggers (Gatilhos)
É espontânea ou algo a provoca?
Provocada: Mudar a posição da cabeça (VPPB) ou levantar-se (Hipotensão Ortostática).
Espontânea: Não há gatilho óbvio (Ménière ou Enxaqueca Vestibular).
Targeted Examination (Exame Físico Direcionado)
Testes rápidos para avaliar a função do equilíbrio.
3.2. Exames Físicos de Cabeceira (à beira do leito)
O médico especialista (otoneurologista ou neurologista) pode usar testes rápidos para identificar a origem do problema:
• Manobras posicionais no leito para pesquisa de nistagmo (movimento ocular) e vertigem: Existem várias manobras possíveis, sendo a Manobra de Dix-Hallpike o exame de escolha para o diagnóstico da VPPB (de canal posterior). O médico move rapidamente sua cabeça e corpo para uma posição específica para ver se a vertigem é reproduzida, acompanhada de movimentos oculares involuntários (nistagmo).
• HINTS (Head Impulse, Nystagmus, Test of Skew): Este é um exame crucial, rápido e de três etapas: teste do impulso cefálico (movimento cefálico curto e brusco enquanto o paciente fixa o olhar no nariz do examinador), pesquisa de nistagmo (movimento específico dos olhos) e pesquisa de desalinhamento vertical dos olhos. Esses três testes são usados especificamente para pacientes com vertigem aguda e contínua (que dura dias, como em uma Neurite Vestibular ou AVC). ◦ O HINTS é considerado mais sensível para diagnosticar um AVC agudo (causa central) do que a Ressonância Magnética (RM) nas primeiras 48 horas após o início dos sintomas, quando realizado por um especialista treinado.
• Nistagmo: O movimento involuntário dos olhos (nistagmo) é uma pista vital.
◦ Periférico (Ouvido): O nistagmo é geralmente horizontal, com um componente rotatório, e bate na mesma direção, independentemente de para onde você olha. ◦ Central (Cérebro): O nistagmo pode ser vertical, puramente rotatório ou mudar de direção dependendo de para onde você olha.
• Avaliação da Marcha (Caminhar): Se você tiver uma lesão central grave (no cerebelo), pode ser incapaz de andar sem assistência, enquanto problemas periféricos unilaterais tendem a fazer você cair para o lado da lesão.
3.3. Imagem e Exames Complementares
Exames laboratoriais (de sangue) geralmente não são úteis para encontrar a causa da tontura.
• Neuroimagem: Não é necessária se a causa periférica for clara (ex: VPPB). No entanto, a Ressonância Magnética é a modalidade de escolha se houver suspeita de doença central grave (AVC, tumor ou Esclerose Múltipla). A Tomografia Computadorizada é menos sensível para visualizar as áreas do tronco encefálico e do cerebelo.
• Audiometria: Se houver perda auditiva ou zumbido (como em Ménière), um audiograma é crucial para o diagnóstico.
3.4. A Jornada do Paciente Crônico: O Desafio do Diagnóstico
É importante notar que, embora a tontura seja comum, obter um diagnóstico preciso pode levar muito tempo. Em centros especializados no Brasil e no Reino Unido, o tempo médio desde o início dos sintomas crônicos até o diagnóstico especializado final foi de 43 a 54 meses (cerca de 4 anos).
Essa longa espera sugere que a dificuldade diagnóstica é global, causada pela vasta gama de etiologias e pela falta de um caminho estabelecido para encaminhamento. Além disso, em 90% dos casos, o diagnóstico inicial dado por médicos não especialistas difere do diagnóstico final dado pelo especialista.
4.Tratamento e Manejo
O tratamento da tontura depende inteiramente da causa.
4.1. Terapias Específicas para Causas Comuns
VPPB
Cristais Soltos
Tratamento: Manobras de Reposicionamento (ex: Manobra de Epley)
Manobras realizadas pelo médico para recolocar os cristais no lugar correto. A taxa de sucesso é alta (50% a 90%).
Enxaqueca Vestibular
Tratamento: Modificações de estilo de vida, medicamentos abortivos (para crises) e medicamentos preventivos (profilaxia de enxaqueca: Topiramato, Propranolol, Amitriptilina, Venlafaxina).
O tratamento visa prevenir os ataques recorrentes.
Neurite Vestibular
Tratamento: Reabilitação Vestibular + Corticosteroides na fase aguda
A fisioterapia (reabilitação vestibular) é crucial para treinar o cérebro a compensar a disfunção.
TPPP/Tontura Crônica
Tratamento: Reabilitação Vestibular e Terapia Cognitivo - Comportamental (TCC), frequentemente combinada com antidepressivos (inibidores seletivos de recaptação de serotonina - ISRS, como Citalopram).
Uma abordagem multidisciplinar é essencial.
Doença de Ménière
Tratamento: Controle dietético (baixo sal), medicamentos (Betahistina) ou injeções intratimpânicas (esteroides).
O objetivo é reduzir a pressão do líquido no ouvido interno e prevenir ataques.
Hipotensão Ortostática
Tratamento: Meias de compressão, aumento da ingestão de líquidos e ajuste de medicamentos.
Foca na melhora do retorno sanguíneo ao cérebro ao se levantar.
4.2. Medicamentos de Alívio (Supressores Vestibulares)
Em crises agudas e intensas (como na Neurite Vestibular), medicamentos podem ser usados para suprimir os sintomas (náuseas, vertigem), como anti-histamínicos (ex: meclizina, dimenidrinato) e benzodiazepínicos (ex: diazepam, clonazepam).
Advertência Importante: Estes medicamentos só devem ser usados por um máximo de 3 dias para sintomas agudos e graves. O uso prolongado deve ser evitado, pois eles atrapalham a capacidade do seu cérebro de se adaptar e compensar a disfunção vestibular (processo chamado de compensação central).
4.3. Reabilitação Vestibular (Fisioterapia)
A reabilitação vestibular é uma forma de fisioterapia especializada altamente recomendada para muitos pacientes com disfunção vestibular crônica ou aguda (como após Neurite Vestibular). Consiste em exercícios que treinam o cérebro a utilizar outras pistas sensoriais (visão, propriocepção) para manter o equilíbrio, compensando o dano no labirinto.
5. Sinais de alerta
Embora a maioria das tonturas tenha causas benignas, algumas requerem atenção médica imediata, especialmente se houver risco de AVC ou trauma.
Você deve procurar atendimento de emergência imediatamente se a tontura (ou vertigem) for acompanhada por qualquer um destes "sinais de alerta" (Red Flags):
Tontura após um ferimento ou pancada na cabeça.
Dor de cabeça súbita e intensa.
Dificuldade significativa para andar (desequilíbrio grave ou incapacidade de se manter em pé).
Dificuldade para falar (fala arrastada/disartria).
Dificuldade para engolir.
Visão dupla ou turva.
Dormência ou fraqueza nos braços, pernas ou face.
Batimento cardíaco irregular (arritmia) ou dor no peito.
Confusão mental ou convulsões.
Vômitos contínuos (que não param).
Por fim, o sintoma de tontura exige uma abordagem interdisciplinar, envolvendo clínicos gerais, otoneurologistas (especialistas em tontura), otorrinolaringologistas, neurologistas, fisioterapeutas, psicólogos e, em alguns casos, psiquiatras ou cardiologistas.